Terra Indígena em Santa Catarina homologada hoje pelo presidente Lula foi foco de campanha da CGY; comunidade se reúne em cerimônia na opy – a casa de reza
Por Assessoria de Comunicação da CGY
Aguyjevete para quem luta!
O povo Guarani comemora com alegria a demarcação da Terra Indígena Morro dos Cavalos, com a assinatura do decreto de homologação pela Presidência da República, após mais de 20 anos de luta. A assinatura foi realizada na tarde desta quarta-feira (4), no Palácio do Planalto, em Brasília (DF), onde nesta semana ocorre a terceira reunião do CNPI (Conselho Nacional de Política Indigenista).
Com o ato, o presidente Lula reconhece o direito constitucional do povo Guarani, e garante a proteção do modo de vida tradicional e de parcela da Mata Atlântica preservada na área de 1.988 hectares, que é parcialmente sobreposta ao Parque Nacional da Serra do Tabuleiro, unidade de conservação federal em Palhoça, na região metropolitana da capital Florianópolis.
A próxima e última etapa é o registro, em cartório e na Secretaria de Patrimônio da União (SPU), concluindo o rito demarcatório que confere a posse permanente e usufruto exclusivo dos povos indígenas de acordo com o artigo 231 da Constituição de 1988.
Por décadas, o povo Guarani lutou pela regularização fundiária da TI Morro dos Cavalos e enfrentou um embate judicial envolvendo o Estado de Santa Catarina em disputa pela posse da área, que é de ocupação tradicional guarani antiga e sem interrupção.
Kerexu Yxapyry, liderança da TI Morro dos Cavalos, considerou a vitória da demarcação como a chegada de uma “sonhada conquista”, lembrando que foram noites e dias de árduas batalhas e muito choro. Esta noite a comunidade está reunida em uma grande cerimônia de agradecimento na opy, a casa de reza. “Hoje o nosso choro é de felicidade”, ela celebra.
“A tão sonhada conquista chegou, só tenho muito que agradecer a Nhanderu, ao meu povo Mbya Guarani e a todos indígenas e não indígenas que somaram nessa grande luta. Foram noites e dias de árduas batalhas e muitos de choro. Mas hoje nosso choro é de felicidade, nossa comunidade está reunida na opy para a grande cerimônia de agradecimento. Morro dos Cavalos é terra guarani, é nosso. Aguyjevete pra quem luta!” – Kerexy Yxapyry, liderança da TI Morro dos Cavalos
A demarcação da TI Morro dos Cavalos iniciou em 1993, com a realização de estudos de identificação e delimitação da área de ocupação tradicional por grupo técnico (GT) da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), cujo relatório foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) em 2002. Anos mais tarde, a Portaria Declaratória 771, assinada pelo então ministro da Justiça em abril de 2008, declarou a posse permanente da comunidade indígena. Este havia sido o último avanço no processo demarcatório até então.
O representante da CGY no CNPI, Marcos Tupã, comemorou a homologação. Ele enviou de Brasília um recado para a coordenação da CGY: “Estávamos aqui na plenária [do CNPI], quando fomos surpreendidos com a homologação da TI Morro dos Cavalos. Estamos muito felizes! É um esforço de todos nós, lideranças, cacique, a CGY, assessoria e a campanha #DemarcaYvyrupa”.
Tupã reconhece que ao mesmo tempo em que se deve comemorar, os povos indígenas ainda seguem em um embate contra o marco temporal com a conciliação proposta pelo STF, mas guarda ainda a esperança de poder avançar.
“Ficamos felizes de receber em primeira mão a notícia da homologação de três Terras Indígenas, dentre elas a TI Morro dos Cavalos, que tem uma luta de tantos anos. É uma luta de todos nós, o empenho de cada um de nós. E vai fortalecer cada vez mais a nossa luta pela demarcação das terras guarani. Isso está em nossos objetivos na CGY. E que a campanha #DemarcaYvyrupa seja cada vez mais forte, e que possamos alcançar esses objetivos para nosso povo. Aguyjevete para todos nós! Aguyjevete para quem luta!” – Marcos Tupã, representante da CGY no CNPI
Morro dos Cavalos é Guarani
Ao longo de mais de 20 anos em processo de demarcação, a TI sofreu contestações do Governo de Santa Catarina no âmbito da Funai e do então Ministério da Justiça (mesmo não havendo essa previsão legal para o caso deste último), e está sob forte pressão do mercado imobiliário e de turismo. A Funai apresentou defesa no caso e confirmou o direito indígena, demonstrando a inexistência de marco temporal, o que deixou o processo sem impedimentos para a homologação.
Em 2013, o Estado de Santa Catarina questionou a demarcação com uma ação cível originária (ACO n. 2.323) no STF (Supremo Tribunal Federal), onde o processo tramita sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes. Desde então, a comunidade vem lutando judicialmente pelo reconhecimento de seus direitos territoriais.
No pedido formulado pela Procuradoria Geral do Estado (PGE), o governo pediu a nulidade da demarcação, alegando a aplicação de um marco temporal – tese jurídica segundo a qual os povos indígenas só teriam direito às terras ocupadas no dia da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988 -, e afirma também que se trataria de uma “ampliação”, isto é, um aumento da área.
Para Juliana Batista, assessora jurídica das comunidades indígenas no caso, os argumentos do Governo de Santa Catarina na ação são preocupantes, pois demonstram hostilidade aos povos indígenas e denotam postura “extremamente racista com os indígenas de Morro dos Cavalos”.
“Aguardamos que haja uma compreensão do Estado de Santa Catarina no reconhecimento da sociodiversidade existente no estado, da contribuição dos povos indígenas para a construção do estado, assim como sua importância na cultura brasileira, e quem sabe, desista da ação que tramita no STF. É uma terra que não tem pequenos agricultores com título de propriedade, a maioria são pessoas que entraram ilegalmente na área, que, inclusive, é uma unidade de conservação federal, e tem sido cada vez mais invadida devido a mora do Estado brasileiro em concluir o processo de demarcação, que aguarda 22 anos pela finalização” – Juliana Batista, advogada e assessora jurídica das comunidades
A CGY lançou em 2023 a série Ka’aguy rupa oiko vê aguã – Nossa Mata Atlântica viva (clique para conheçer), apresentando a luta do povo Guarani para a proteção da Mata Atlântica com registros em vídeos, fotos e ilustrações. O episódio # 9 “Especulação imobiliária, racismo e conflito” conta com a participação de Kerexu Yxapyry, mostrando como a comunidade da TI Morro dos Cavalos enfrenta pressões do mercado imobiliário, e denunciamos os ataques sofridos pela comunidade acarretados pelo racismo da sociedade que vive em redor, assim como dos órgãos públicos municipais e estaduais. ASSISTA O EPISÓDIO #9 – diposnível no Instagram (em breve disponível no YouTube).
Devolvam nossas terras
Em 2023, entregamos canetas decoradas com grafismos ao presidente Lula e à ministra dos Povos Indígenas Sônia Guajajara, marcando o lançamento da ação #DemarcaYvyrupa, campanha da CGY pela demarcação de 12 Terras Indígenas do povo Guarani sem nenhuma pendência para seguir à próxima etapa do processo demarcatório ou serem finalmente regularizadas.
O movimento protocolou na Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) um documento detalhando todas as providências que são necessárias em relação a cerca de 70 processos de demarcação de terras guarani, que foram paralisados no governo anterior.
Porém, a morosidade do governo levou a uma segunda mobilização em abril de 2024, quando uma nova caneta foi entregue ao presidente Lula em reunião do CNPI: “Após um ano de espera, povo Guarani relança campanha #DemarcaYvyrupa” (clique para ler a notícia no site da CGY). Com o decreto assinado por Lula, restam ainda 3 TIs à espera de providências pela Presidência.
A CGY monitora a situação jurídica de todas as terras guarani e produziu um levantamento detalhado de cada uma dessas áreas, comprovando que elas só não tinham avançado em seus processos demarcatórios até o momento por falta de vontade política.