Crescer até afundar? A falácia do “adensamento responsável” sem infraestrutura

O recente artigo do advogado Ernesto São Thiago, defensor do mercado imobiliário e da liberalização urbanística, tenta pintar como “ideologia” toda e qualquer resistência à expansão desordenada da urbanização na Bacia da Lagoa da Conceição — uma das áreas mais sensíveis e frágeis de Florianópolis. O problema não está em reconhecer a ineficiência da CASAN, que é real e documentada. O erro — ou cinismo — está em usar isso como desculpa para aprofundar justamente o modelo de crescimento que nos levou à saturação dos serviços e à crise ambiental que vivemos hoje.

A proposta de liberar novas ligações de esgoto em uma rede já saturada é irresponsável. Não se trata de “impedir o crescimento”, como o artigo sugere, mas de impedir que ele continue sendo feito sem planejamento, sem infraestrutura e às custas do meio ambiente e da qualidade de vida da população — especialmente das famílias que já vivem aqui e sofrem com os frequentes colapsos do sistema de saneamento. Ignorar isso é fazer política para os incorporadores, não para as pessoas.

Adensamento, quando responsável e precedido por investimentos robustos em infraestrutura, pode sim ser uma estratégia de cidade mais justa e eficiente. Mas usar o termo como mantra para justificar qualquer construção — mesmo quando a rede de esgoto não comporta, mesmo quando há risco real à saúde pública, mesmo quando isso fere leis ambientais — é pura especulação imobiliária disfarçada de modernidade.

O artigo tenta ainda desqualificar o trabalho técnico e jurídico do Ministério Público Federal, de ambientalistas e da sociedade civil organizada. Ao rotular tudo como “ideologia”, esconde-se o que realmente está em jogo: a disputa entre o interesse coletivo e os lucros de poucos. Defender a suspensão de novas ligações enquanto a CASAN não comprova capacidade técnica não é “atraso”, é responsabilidade. É pensar na cidade a longo prazo, e não como moeda de troca para os negócios do presente.

Quanto às alternativas como wetlands e biodigestores, elas são de fato desafiadoras, mas também fazem parte de uma transição necessária para modelos descentralizados e mais resilientes — principalmente onde o sistema centralizado falhou. E falhou feio.

A Bacia da Lagoa da Conceição não precisa de mais prédios, precisa de mais respeito. Respeito às suas limitações ecológicas, à sua história e à sua população. Crescimento urbano não pode ser um dogma. Se não houver capacidade de suporte ambiental e infraestrutura instalada, não é crescimento. É colapso.

Por uma pessoa arquiteta-urbanista.

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