Publicado originalmente por Gert Schinke, via email.
Você compraria um produto qualquer pelo dobro do preço oferecido no mercado? Claro que não, você não se parece como um troucha. Pois é isto que acontecerá compulsoriamente com você caso o governo federal decida terminar a usina nuclear ANGRA 3, cujo MWh custará R$650,00, mais que o dobro do MWh da energia eólica, e ainda bem mais que o dobro em relação à energia solar, pelos valores atuais praticados no mercado energético nacional. Caso isso aconteça, todo o povo brasileiro pagará em sua conta de luz mais esse despautério contra a economia popular, mas especialmente “antiecológico” em sua essência. Vejamos.
Nem os movimentos anti-nucleares mundo afora, nem os defensores da energia termonuclear tomam esta questão como mera “brincadeira”, questão sempre ligada ao militarismo (armas nucleares) e suas implicações na geopolítica global. Porém, pouco ou quase nada discutida no Brasil, país que se ufana em ter uma matriz energética “limpa”, o que em verdade não é verdadeiro, mas, em comparação com muitos outros países, utiliza menos combustíveis fósseis que a maioria, especialmente os países “desenvolvidos” no hemisfério norte, justo os que também empregam mais energia nuclear em sua matriz energética, visando manter todo e qualquer ambiente com calefação, custe o que custar para viver no total “conforto”.
O assunto vem à tona em pleno “esquenta” carnavalesco, período em que todos os governos aproveitam para apresentar (e aprovar) barbaridades e retrocessos de todos tipos, pois época em que os olhos estão voltados para outras “distrações para as massas”, tal como o carnaval, novelas e muito futebol, é claro. Notícia televisiva veiculada na noite de 09/10/25 dá conta que o CNPE – Conselho Nacional de Política Energética se reunirá no próximo dia 18/02/25 para decidir se continuam as obras para terminar ANGRA 3. Terminá-la implica, em tese, gastar “apenas” mais R$26 bilhões do nosso dindin, além do que já se gastou, sendo que “desmontá-la”, em tese, consumirá algo de R$21 bilhões, conforme a reportagem e prognósticos governamentais. Acontece que TODAS essas “mega-obras” custaram muito mais do que os valores inicialmente previstos, vide os exemplos com as grandes usinas hidrelétricas, últimos casos de Santo Antônio, Jirau, Tucuruí e, Belo Monte, coroando a eco-bandidagem sobre os indígenas e as populações ribeirinhas, em meio a franca roubalheira, que nós pagamos, é claro.
Enquanto “as massas” se divertem com o tamborim, o lobby da construção civil, dos militares, governantes e todos os associados à tecnocracia desenvolvimentista, não perdem tempo e fazem “notas”, manifestos e “textos de opinião” em prol da continuidade do maior elefante branco que existe hoje no país, concentrados no estado do RJ e em Brasília, todos “sedentos” para auferir lucros e mais alguns royalties depois de conclusa. A obra esteve enredada na Operação Lava Jato, só para lembrar, em meio à irredutível “promiscuidade administrativa” e corrupção reinante no país, tradição nacional desde Pero Vaz. Anteriormente, com ANGRA 1 e ANGRA 2, aconteceu a mesma coisa, e a operação destas duas vive em meio a periódicas paralisações, razão pela qual foram apelidadas de usinas “vagalumes”, tal a frequência dos apagões. É uma grande “sorte nacional”, daí porque alguns acreditam que “deus é brasileiro”, que até agora nenhuma das duas apresentou um acidente nuclear mais grave, tal como aconteceu às dezenas em países que operam centrais nucleares. O mais conhecido em “patropi” foi o de Goiânia, mas a lista é extensa, vide a WIKIPÉDIA – https://pt.wikipedia.org/wiki/Acidente_nuclear. Hollywood & Cia mundo afora não perdeu tempo e fez dezenas de filmes de ação, ficção, drama, documentários, etc, etc, dentre os quais vários na série “James Bond 007”, retratando passagens “excitantes” envolvendo a energia nuclear no emprego de armas. A literatura e o cinema, apesar dos gravíssimos desastres nucleares, só fizeram crescer no imaginário popular a “necessidade” e a “inevitabilidade” da energia termonuclear, na esteira a apologia ao progresso, ao avanço tecnológico, valores “endeusados” pela cultura ocidental de longa data, agora às voltas com IA.

Os defensores das centrais nucleares argumentam de uns anos para cá que ela se prestará a uma “solução” para a crise climática, já que não expele gases do efeito estufa. O argumento é claramente “falacioso”, porquanto ela produz rejeitos radioativos que perdurarão pelos próximos milênios, os quais devem ser “blindados” e doravante “eternamente vigiados” em face do perigo de provocar contaminação e morte. Portanto, ainda que não contribua diretamente para gerar gases, ela produz aquecimento por via do processo de esfriamento dos reatores (que vai parar nas orlas marítimas), mas principalmente os “rejeitos radioativos”, nos seus tratamentos e suas guardas, um “passivo ecológico” para as futuras gerações, bem diferente das pirâmides egípcias, que se estenderá aos próximos milênios, isto porque a
“sociedade civilizada” de hoje “quer consumir mais energia” (este “desejo” certamente inclui eu e você, conforme essa turma pretende), seja de que fonte ela for, seja a qualquer custo humano e ecológico.

Interessados diretamente em auferir lucros e outros benefícios com os empreendimentos nucleares voltados à energia e armamentos, estão os setores da construção civil (instalações e infraestrutura), siderurgia (instalações e maquinário), todo o complexo militar mundial – armas nucleares (aqui no Pró-SUB da Marinha), instalações, gestão, políticas, capital financeiro, todos os políticos ligados ao setor, em constante lobby em prol do “nuclear”, além de um vasto estamento de tecnocratas e burocratas instalados nas instituições e órgãos estatais (empresas, agências, universidades, etc, etc…). Abarca, portanto, uma gama de cadeias produtivas e de relações sócio-políticas, tal como acontece com o vasto complexo do “agro”, que a maquiagem verde fez também tornar “sustentável” aos olhos da opinião pública nacional, por via do “imbatível” AGRO É POP da Globo.
No mundo da política, notadamente no setor sujeito às eleições, a ampla maioria desses “representantes” jamais teve algum contato mais profundo e sério com a questão nuclear, sua base científica, seu emprego tecnológico em vários setores, tal como na obtenção de energia e armas nucleares, dentre outras questões, e estão enredados pelo cânone desenvolvimentista e pela onda na qual surfam dentro das lógicas político-partidárias, cujo objetivo é poder, embora na maioria dos casos, só almejem mais dindin para seus próprios bolsos com os cargos que ocupam. Se lhes for perguntado sobre a continuidade das obras de ANGRA 3, certamente a endossarão com louvores.
Mas nem sempre foi assim “tão fácil” para a turma nuclear. O movimento ecológico mundial teve nas campanhas anti-nucleares um forte impulso nos tenebrosos anos da “guerra fria”, combatendo a instalação de armas nucleares em vários países na Europa, construção de usinas nucleares e o transporte de rejeitos radioativos mundo afora, com destaque para as memoráveis campanhas do Greenpeace. No Brasil também tivemos movimento anti-nuclear, questionando o “Programa Nuclear Brasileiro”, desde os megalomaníacos projetos da ditadura militar com a Alemanha, combatendo e denunciando as patifarias em torno da construção das usinas em Angra, movimento mais concentrado no eixo RJ-SP. Num plano mais simbólico, lembrando as bombas jogadas sobre Hiroshima e Nagazaki, tal como fiz quando vereador em Porto Alegre (1989-92) ao promover anualmente “sessões especiais” na Câmara Municipal
lembrando aquelas tragédias, visando manter vivas as campanhas anti-nuclear e desarmamentista mundial. Por aqui não vi nada parecido…

SE FODE?‟ Acervo de documentos de
GS
Os grandes desastres nucleares, Three Mile Island, Chernobyl e Fukushima, dentre outros da lista acima da WIKI, provocaram uma reação na opinião pública em vários países pela rejeição às centrais nucleares, notadamente na Europa e no Japão (já afetado por duas bombas atômicas), os quais, embora adotando programas de desmantelamento caríssimos para suas centrais, não foram o suficiente para terminar de vez com a onda em prol da energia nuclear no âmbito mundial, em alguns países retomada com todo vigor, na contramão do trilho ecológico – abandono total do átomo para obtenção de energia e a diminuição global de produção de energia em geral, com vistas a operar uma verdadeira e abrangente “transição ecológica planetária”, que agora se apresenta como EMERGENCIAL, e em cujo contexto se insere as urgentes mitigações provocadas pelas mudanças climáticas já em curso. Portanto, mudanças climáticas é o efeito e não a causa do aquecimento global da atmosfera, mas sim a produção e o consumo de energia.

Na esteira desses protestos sempre esteve colocado o questionamento do, “por que consumir mais energia”, o que nos leva ao universo do consumo humano, ou melhor, do consumismo que nos é induzido pelo sistema de produção capitalista. Mais consumo, mais energia, simples assim. Esta equação “ecocida”, de caráter claramente capitalista, é que está na base da defesa da energia nuclear e o incremento permanente das demais fontes energéticas, o que inclui as “renováveis”, pois do contrário, a máquina de produção capitalista não consegue se reproduzir, se expandir continuamente, como propõe as elites mundiais e seus associados subordinados, infelizmente hegemônicos no mundo atualmente. Portanto, a questão da contenção global de produção de energia é um vetor fundamental para operar um ponto de inflexão na direção contrária ao que o sistema capitalista almeja.
Há décadas se fala na “pegada ecológica”, seja a pessoal, seja a coletiva, de comunidades ou de países, metodologia que retrata uma “econométrica‟ criativa para ilustrar o quanto estamos impactando nosso planeta, que por esses dias já deveria ter três vezes mais recursos, em tese, para conseguir “harmonizar” a voracidade de consumo humano com a capacidade de suporte da vida no planeta, retroalimentado constantemente pelos apelos consumistas do sistema. Consumo, aliás, que não é nada “harmônico”, como se sabe, notadamente quando assistimos a chegada dos primeiros “trilhonários” em meio a milhões de famélicos, tendo em, “patropi” um exemplo “top” mundial de desigualdade. O “notável” Musk, dentre outros candidatos, é o produto desse processo e, com sua inesgotável “criatividade” está convidando você a embarcar na primeira expedição a Marte. Daí em diante, colônias em outras galáxias, porque não Tal como em „Guerra nas Estrelas‟ ou congêneres. Inscreva-se já e talvez consiga sair no Fantástico, CNN, viralizar, uau!
Dentre os inúmeros argumentos falaciosos, a exemplo do acima (não consumo de combustível fóssil), há, como sempre, aqueles “eco demagógicos”, habituais no versátil cardápio da maquiagem verde da “sustentabilidade”: criar empregos (embora agroecologia crie muito mais, por exemplo), gerar royalties para os municípios e só para o estado do RJ neste caso, a exemplo do que é feito com a gestão do Pré-Sal, que torna alguns municípios superavitários do dia para a noite, tal como uma “startup” que inventou alguma novidade em TI. Em suma, um recurso (petróleo) que é de todos os brasileiros, é dividido desigualmente entre os brasileiros, vira “tarifa zero‟ (muito justo), vira hospital de ‟1º mundo‟ (eu também quero), vira monumentos homenageando patifes e outros desperdícios com dinheiro público no qual patropi também se especializou nas últimas décadas, vide o circo em torno das “emendas parlamentares” que não cessam de ocupar o noticiário diariamente com casos de corrupção, desvio orgiástico do meu, do teu, do nosso dindin. Agora a “turma petrolífera” (leia-se Petrobrás e seus associados) cobiça a “margem equatorial”, na esteira do “drill, babe, drill” trumpista, baixo outro
falacioso argumento de que, o Brasil precisa desse dindin do petróleo nacional para
financiar a transição energética”, risível se não fosse trágico, e com amplo apoio dentro do GOV.BR. Coloque as barbas de molho para a próxima eco patifaria.
No estado de coma no qual se encontram os movimentos sociais no país, mais voltados para atender os “profícuos” diálogos nas redes sociais, salvo as honrosas exceções dos bravos indígenas e quilombolas, o que é possível fazer diante do descalabro que se anuncia (sorrateiramente, em tempos de tamborim) no dia 18? Talvez, caso você se lembre do parlamentar, ou aliado dele, no qual votou nas últimas eleições (seja para cargos majoritários ou proporcionais), você repasse este modesto textinho e peça a ele que se pronuncie contra a continuidade de ANGRA 3. Caso ele(a), nobre edil, venha a se sensibilizar com seu “whatssapelo‟, não custa tentar, talvez diga alguma palavra numa tribuna, ou faça uma nota se posicionando a respeito, até para “alimentar seus seguidores”, o que já é alguma coisa “nobre”. De outra parte, caso você considere isso puro “diletantismo ambientalista”, continue rezando para que uma das angras não exploda logo mais…
Gert Schinke, ecologista e historiador, Florianópolis aos 35ºC na sombra, 11/02/25