Publicado originalmente no Instituto Cidade e Território
O prefeito há pouco eleito Topázio Neto está leiloando 42 imóveis no bairro Canasvieiras, no Norte da Ilha. Os lances do leilão eletrônico variam de R$ 918 mil a mais de R$ 1,3 milhão. A Prefeitura avalia o valor dos 42 imóveis em R$ 46,5 milhões e informa que o envio de propostas do leilão 292/2024 acaba às 10 horas do dia 8 de novembro.
COMO INICIOU A TORRA DE IMÓVEIS PÚBLICOS
Em 27 de janeiro de 2021, na gestão do então prefeito Gean Loureiro, foi aprovada a Lei nº 10.774, que introduziu a possibilidade de alienação de imóveis do município com a vinculação de receita de capital derivada ao regime próprio de previdência dos servidores públicos municipais. São 51 terrenos, a maioria da COMCAP, situados ao Norte da Ilha de SC, ou seja, a parte da cidade mais valorizada e com preços entre os mais altos do país.
Naquele janeiro de 2021, houve muitas manifestações contra a venda por parte da bancada de oposição de vereadores e dos movimentos sociais em protesto contra a entrega de um patrimônio que deveria ser inalienável para a municipalidade e com destinação para a construção de equipamentos públicos e comunitários a médio e longo prazo.
A justificativa da alienação foi que os recursos cobririam o déficit da Previdência dos Servidores Públicos, quando na verdade a própria Prefeitura é que não cobriu sua parte ao longo de muitos anos, sendo ela a causa do problema. Um dos fatores para isto tem sido a falta de transparência no controle dos recursos do Fundo Previdenciário com relação ao orçamento municipal.
Para examinar onde ficavam os terrenos, sua situação urbana e o valor real de mercado, reuniu-se um grupo de pesquisadores e estudantes do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFSC. O objetivo, além do interesse acadêmico e científico de pesquisa, era subsidiar a Defensoria Pública de Santa Catarina e, posteriormente, o Ministério Público, na análise dos imóveis desafetados e em processo de alienação pela Prefeitura através da lei aprovada na Câmara Municipal, tendo em vista que se tratava de um patrimônio público cujo processo de alienação deveria passar por um amplo debate com a sociedade, o que não ocorreu, e considerando o indispensável diagnóstico patrimonial e fundiário necessário para implementação de equipamentos públicos e comunitários socialmente demandados.
Com a pesquisa, buscou-se cumprir a função social da Universidade, desvendando os terrenos alienados e mostrando sua importância patrimonial e social para a cidade e a necessidade de transparência e controle social da desafetação e desalienação dos referidos imóveis, que a Prefeitura não cumpriu em seu papel constitucional de zelo pela coisa pública.
O Relatório elaborado pela equipe da Arquitetura e Urbanismo da UFSC mostrou que os 51 imóveis possuíam características relevantes urbanística e economicamente, dividindo-se em três partes, como assinala a introdução do documento:
Na primeira, expõe-se a temática dos imóveis públicos em seus aspectos urbanísticos, sociais, econômicos e jurídicos. Na segunda, a metodologia de trabalho é explicada enquanto na terceira parte os resultados dos levantamentos dos terrenos são analisados segundo dimensões de conectividade; provisão de infraestrutura urbana; proximidade em relação a equipamentos coletivos; proximidade aos comércios e serviços; proximidade em relação a transporte coletivo; proximidade em relação a áreas verdes livres; proximidade em relação a áreas de preservação permanente; proximidade em relação a zonas especiais de interesse social e comunidades vulneráveis; densidade demográfica do entorno imediato (IBGE, 2012); renda média do entorno imediato (IBGE, 2012); valor da terra; proximidade de vazios e outros imóveis públicos ociosos e legislação urbanística vigente.
O grupo de pesquisa da UFSC destaca que, desde a aprovação da lei, não foi possível encontrar mais informações publicizadas sobre o processo, enquanto o próprio texto legal traz poucas referências acerca do mesmo para além da simples identificação das propriedades públicas.
Concluída a pesquisa, que se constituiu de 143 páginas de análise, encaminhou-se o relatório com os resultados à Defensoria Pública Estadual, que solicitou, em junho de 2022, informações a respeito de quantos terrenos haviam sido vendidos e por qual valor. A Prefeitura alegou que não havia registro de venda dos terrenos prescritos na Lei.
Encaminhou-se também o Relatório de Pesquisa ao Sintrasem (Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de Florianópolis) e à presidência do Fundo Previdenciário para que tomassem providências com base no trabalho feito pela UFSC.
Pergunta-se:
• o que aconteceu com 9 terrenos, dentro dos 51 terrenos prescritos na Lei, sendo que o leilão se refere a 42 terrenos?
• Foi feito leilão dos 9 terrenos? Quando e como foram vendidos?
• Será aplicado o artigo 6º da Lei 10.774/21, segundo o qual a “… receita de capital derivada da alienação dos terrenos descritos nos arts. 1º e 2º desta Lei será destinada, exclusivamente, ao regime próprio de previdência dos servidores públicos municipais, nos moldes do caput do art. 44 da Lei Complementar Federal nº 101, de 2000 – LRF.”? (grifo nosso);
• O leilão vai ser acompanhado pela Caixa Econômica Federal, possibilidade estabelecida no § 1º do artigo 3º da referida Lei?
Estas e outras perguntas e questionamentos devem ser respondidos com urgência pelos agentes públicos, parlamentares e pelas representações junto ao fundo dos servidores públicos municipais.
Autores do estudo:
PERES, Lino Fernando Bragança
SAMPAIO, Umberto Violatto
SANTOS, Samuel Steiner dos Santos
SIQUEIRA, Marina Toneli
No link, confira a entrevista que o presidente do Instituto Cidade e Território (ITCidades), Lino Peres, fez com o professor Samuel Steiner dos Santos, um dos autores do estudo, sobre o leilão:
A entrevista começa em 3:03:00.
Estudo completo: