Carta De Esclarecimento à Sociedade Sobre a Casa de Passagem Indígena e Ponto de Cultura Goj Tá Sá

Material recebido da Associação Casa de Passagem Indígena e Ponto de Cultura Goj Tá Sá

A Associação Casa de Passagem Indígena e Ponto de Cultura Goj Tá Sá, por meio desta nota, vem a público manifestar-se diante das declarações veiculadas recentemente em vídeo pelo ex-deputado estadual e ex-secretário municipal de Assistência Social de Florianópolis, Bruno Souza, que, de forma racista, desinformada e irresponsável, busca mobilizar a sociedade civil e moradores do bairro Saco dos Limões contra a implantação do equipamento público municipal que formaliza e estrutura a Casa de Passagem Indígena e Ponto de Cultura no espaço do antigo Terminal Integrado do Saco dos Limões (TISAC).

É necessário esclarecer, com base em documentos oficiais e decisões judiciais, que não houve invasão ou ocupação irregular por parte dos povos indígenas. A ocupação do TISAC ocorreu em 2016, por proposição do Ministério Público Federal (MPF), como medida provisória de reparação e acolhimento diante da ausência histórica de políticas públicas voltadas às populações indígenas em mobilidade na cidade. Desde então, a área passou a cumprir uma função social legítima e legal, reconhecida pelo poder público e acompanhada pelo MPF e pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI).

O espaço em questão — um terminal construído em 2013 e nunca colocado em funcionamento — encontrava-se desativado e em estado de abandono, representando desperdício de dinheiro público. A sua destinação à Casa de Passagem Indígena transformou uma estrutura ociosa em um equipamento público de caráter reparatório e educativo, atendendo à demanda judicial que resultou em acordo firmado entre o MPF, a Prefeitura de Florianópolis e a comunidade indígena.

Esse processo, que se estende há quase duas décadas de luta, teve origem na ação civil pública ajuizada pelo MPF em 2016, que cobrou das esferas municipal, estadual e federal a construção de uma Casa de Passagem Indígena adequada às condições de dignidade e aos direitos assegurados pela Constituição Federal (artigos 215, 216 e 231), pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

O projeto atualmente em execução é resultado desse longo processo de diálogo e construção participativa. A Prefeitura, após diversos atrasos e multas judiciais por descumprimento do acordo, lançou em 2025 o edital de chamamento público para a execução da obra definitiva, com base no projeto arquitetônico elaborado pela Prefeitura e Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em consulta prévia, livre e informada com as comunidades indígenas, conforme prevê a OIT nº 169.

É importante destacar que a Casa de Passagem Indígena e Ponto de Cultura Goj Tá Sá não é um abrigo improvisado, mas um equipamento público previsto em política afirmativa. Sua função é acolher famílias indígenas em trânsito — especialmente durante a temporada de verão, quando a venda de artesanato se torna a principal fonte de sustento — e garantir o direito de permanência e circulação segura dos povos indígenas em contexto urbano.

A atual presença de 14 famílias indígenas em caráter permanente é consequência direta da demora do poder público municipal em construir a sede definitiva e da falta de alternativas habitacionais adequadas. Mesmo assim, a comunidade mantém o espaço ativo, com ações culturais, educativas e ambientais reconhecidas oficialmente pelo Governo Federal como Ponto de Cultura.

O equipamento cumpre, portanto, uma função pública, social e educativa, contribuindo para:
● o cumprimento da Lei nº 11.645/2008, que determina o ensino da história e da cultura
afrobrasileira e indígena nas escolas;
● o fortalecimento das ações afirmativas e da política de permanência de estudantes
indígenas
nas universidades da região;
● a promoção do diálogo intercultural e do combate ao racismo;
● e a valorização da história e da presença indígena em Florianópolis, anterior à
colonização e essencial à identidade da cidade.

Reafirmamos que o discurso de ódio disseminado por figuras públicas, de caráter racista e desinformativo, não apenas atenta contra a dignidade dos povos indígenas, como também fere o princípio da convivência pacífica e democrática entre comunidades. Tais práticas são passíveis de responsabilização nos termos da Lei nº 7.716, de 05 de janeiro de 1989, que define e pune os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

A Goj Tá Sá é um espaço aberto à visitação e ao diálogo, que convida toda a sociedade a conhecer, aprender e conviver com a diversidade que compõe Florianópolis.

Seguimos comprometidos com a verdade, a justiça e o fortalecimento das políticas públicas que
garantem o direito à existência e à memória dos povos originários desta terra.

Florianópolis, 17 de Outubro de 2025.
Associação Casa de Passagem Indígena e Ponto de Cultura Goj Ta Sa,

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