Carta Capital: Em Florianópolis, movimentos lutam contra voracidade do capital imobiliário sobre o plano diretor

Com a suspensão das audiências, os movimentos populares defendem um cronograma que contemple estudos técnicos, oficinas nos bairros e, aí sim, audiências públicas distritais e a audiência pública final.

Leia o texto completo de autoria de Lino Peres na Carta Capital.

MAB: NOTA | 1 Ano de rompimento da barragem da CASAN em Florianópolis

A Comissão dos Atingidos da Servidão Manoel Luiz Duarte, junto com o Movimento dos Atingidos por Barragens, no dia que completa 01 ano do rompimento da barragem da CASAN, lança esta nota pública de balanço sobre o que se passou neste período por Movimento dos Atingidos por Barragens – Santa Catarina

Desde o rompimento da Lagoa de Evapoinfiltração da CASAN (Companhia Catarinense de Águas e Saneamento), a comunidade atingida segue ainda dimensionando os prejuízos sociais, ambientais e econômicos ocorridos na região. Não se trata apenas de um acidente, mas sim de um caso grave de violação de direitos humanos e de grave impacto ambiental. Também não foi apenas uma rua atingida, mas toda a Bacia da Lagoa da Conceição. É por isso que convidamos toda a comunidade do entorno da Lagoa – e estendemos o convite a todos aqueles que se sintam parte da luta, para que levantemos a bandeira de que todos nós somos atingidos.

É a partir desse reconhecimento, de que todos somos atingidos, que pedimos um olhar cuidadoso dos órgãos responsáveis para a Lagoa da Conceição. Pleiteamos que, além da causadora do dano, outras instituições percebam sua parcela de responsabilidade na saúde da Lagoa da Conceição: Prefeitura de Florianópolis, Governo do Estado de Santa Catarina, Floram, IMA e Aresc.

Não foi fácil, mas nós conseguimos coletivamente resistir. Naquela segunda-feira, 25 de janeiro de 2021, queríamos estar iniciando mais uma semana comum em nossas vidas. Porém, trágica e repentinamente, nossas casas foram invadidas por milhões de litros de esgoto e lama. Sofremos risco real de morte, perdemos nossos queridos animais domésticos, vimos a destruição de nossos veículos adquiridos com tanto suor, perdemos para sempre fotos de infância e pertences de valor inestimável, dentre outras tantas perdas materiais e imateriais. Contudo, necessitamos seguir em frente. E este processo não foi simples, realizamos inúmeras reuniões, ajudamos uns aos outros, contamos com a solidariedade de muitas pessoas e lutamos muito. Fomos firmes na reivindicação de nossos direitos. Enfrentamos período em que pessoas desconfiaram de nossa idoneidade, acusaram nossos parceiros de oportunistas, mas mesmo assim continuamos nossa luta. Hoje podemos afirmar orgulhosamente que a maioria das famílias atingidas da Servidão Manoel Luiz Duarte foram indenizadas pelas perdas materiais, mesmo 1 ano depois. 

Lagoa da Conceição em Florianópolis após rompimento da represa de infiltração da CASAN. Foto: NSC TV

É este o balanço que fizemos após um ano do rompimento da barragem. Depois de muita solidariedade e de apoio mútuo, podemos afirmar que o processo em linhas gerais foi justo, ainda que imperfeito, mas não pode ser lido de maneira alguma como um benefício concedido voluntariamente pela CASAN, mas sim como um resultado da organização e da luta coletiva das famílias atingidas que permaneceram solidárias e vigilantes até que o último morador fosse indenizado e assim tendo as condições para reconstruir sua vida. Isso significa dizer que não tivemos nenhum tipo de assessoria técnica durante as nossas tratativas e muitos moradores contaram apenas com a solidariedade dos vizinhos para a contabilização das suas perdas materiais e da elaboração de seus inventários, assim como a reunião de extensa documentação (muitas vezes perdida no meio da lama) para conclusão dos processos.

E seguimos em luta. Após todo o desgaste do processo de danos materiais, estamos ainda na etapa de obras na rua. A CASAN está construindo uma barragem ao final de nossa rua e ainda estamos sofrendo com transtornos em decorrência do rompimento. E é válido lembrar que uma casa não se faz só com móveis e materiais de construção. Uma casa, ou um lar, se fazem também com retratos de momentos felizes, cartas, livros, objetos de valor afetivo etc.

É essa a mensagem que queremos anunciar para toda a cidade: é na luta que conquistamos os nossos direitos. E desta maneira seguiremos até que todos os moradores terminem seus processos de indenização, bem como até que as nossas demais pautas sejam atendidas: a adoção de medidas seguras na gestão, na operação e na fiscalização da barragem que está sendo construída na Lagoa de Evapoinfiltração da CASAN, assim como permaneceremos atuantes para que ocorra a revitalização de toda a rua atingida e restauração do nosso sistema de esgotamento que ficou prejudicado. 

Neste contexto, anunciamos que sim, adoecemos, mas que juntos e unidos viemos tentando transformar essa dor em lutas e conquistas para a melhoria de vida de todas as famílias atingidas por este rompimento. Da necessidade concreta de discutir o assunto, surgiu na comunidade um coletivo de saúde, que vem construindo soluções junto aos moradores. O atendimento psicológico oferecido pela CASAN foi uma conquista desta organização, que veio somente sete meses após o rompimento, e ainda não contemplou as demandas apresentadas pela Comissão de Saúde dos moradores. 

E a nossa união fez e faz a força. A necessidade de elaboração de inventários de levantamento de materiais perdidos na lama, de busca por participação informada, por segurança, além de muitas outras demandas, nos uniram. Todos os meses desde o rompimento da barragem, realizamos ações coletivas com a solidariedade de muitos parceiros, buscando transformar a nossa dor, nossa memória, em luta. Foram exposições artísticas, atos de rua, revitalização da Servidão, horta coletiva, lives, resistência em bordado, e muito mais. E seguiremos assim, porque aprendemos que justiça só se conquista com luta e organização.

E por isso, nós, atingidos e atingidas, direta ou indiretamente pelo rompimento da barragem da CASAN, unidos a diversos setores da sociedade civil, elaboramos uma pauta coletiva, pela qual estaremos reunidos em luta nesta terça-feira, dia 25 de janeiro, em um ato na Avenida das Rendeiras.

O nosso grito ecoa: pela reparação integral das famílias atingidas; por medidas de recuperação social e ambiental da Lagoa da Conceição, para pesca, turismo e lazer; pela recuperação Ecológica da bancada de areia que se formou na Avenida das Rendeiras, transformando o local no memorial VERA (Valorização e Revitalização Ambiental da Lagoa); por uma Política Estadual que garanta critérios justos de reparação às populações atingidas por barragens; pelo enquadramento da estrutura que está sendo construída na Política Nacional de Segurança de Barragens (Lei 12.334/2010); em solidariedade aos atingidos pelo rompimento da barragem de Brumadinho (MG), e aos atingidos pelos rompimentos de barragens e enchentes em diversas regiões do país; e pela reconstrução da Servidão Manoel Luiz Duarte, rua diretamente atingida pelo rompimento.

Águas para a vida e não para a Morte!

Lagoa Resiste!

Viva a Lagoa da Conceição!

Somos Todos Atingidos! 

Somos Todas Atingidas!

Não olhe para a lagoa

Quem não pisou na lama não pode decidir
Foto por Lino Peres

Publicado originalmente no Portal Desacato.

Por Paulo Pagliosa, Alessandra Fonseca e Paulo Horta.

Dizem os cientistas que o “plano de dominação humana total” já deixou sua marca no planeta. Nosso primeiro impacto ocorreu no Pleistoceno, com o uso do fogo e a extinção da megafauna. Mais recentemente, a invasão dos europeus no novo mundo iniciou a homogeneização da biodiversidade, a globalização da alimentação e o extermínio de milhões de americanos originários. A revolução industrial, desde 1760, chega como o estopim da grande aceleração capitalista sobre o planeta. De lá para cá, camadas de plutônio e outras substâncias radioativas se espalharam sobre a superfície do planeta com a realização de testes de bombas nucleares, desde a década de 40. O plástico e o alumínio vieram com a produção de químicos industriais persistentes, a partir dos anos 50, e hoje estão dentro de nossos corpos. O desenvolvimento do agronegócio modificou ecossistemas inteiros, pela retirada da vegetação, extinção de espécies e a alteração dos ciclos biogeoquímicos. Mas, nenhuma outra ação se compara ao recente aumento de carbono, nitrogênio e fósforo resultantes da combustão de combustíveis fósseis, da entrada de efluentes domésticos e industriais, da agricultura e produção de fertilizantes e da pecuária. Embora esses elementos sejam introduzidos principalmente na atmosfera e no solo, eles são transportados e se acumulam em áreas de transição entre os continentes e o oceano, em lagoas e estuários causando eutrofização e alcalinização/acidificação, poluição e, em escala global, mudanças climáticas.

Em geral, a eutrofização resulta na proliferação de algas, o que, por sua vez, colonizam a superfície das águas, impedindo a luz de chegar até o fundo, causando a deficiência de oxigênio e mortandade de animais. Esse tipo de evento tem acontecido com frequência na Lagoa da Conceição, desde o verão passado, quando rompeu a barragem de evapoinfiltração da Estação de Tratamento de Esgoto local. No pequeno “plano de dominação humana total da cidade”, fazendo um paralelo relativista com o que ocorre na escala temporal e espacial do planeta, esse evento representa o estopim que marca definitivamente uma nova mudança de regime ecológico daquele ecossistema.

Nesse nosso pequeno planeta-lagoa as grandes transformações se iniciaram com a alteração na sua barra. Originalmente, a dinâmica interna das águas e da biodiversidade é regida pelo clima. A variação sazonal era uma característica marcante do sistema. Ora ocorria a entrada de água salgada e recepção de organismos marinhos, quando a barra estava aberta, e ora mudava para o regime de acúmulo de água doce e berçário, quando a barra estava fechada. A mudança de uma lagoa de barra intermitente para uma lagoa de barra fixa ocorreu na década de 80, resultando em uma lagoa cuja barra fica artificialmente e permanentemente aberta. Essa modificação marca a primeira mudança de regime ecológico da lagoa. A permanente entrada de água salgada pelo mar e de água doce pelos rios e pela drenagem pluvial causa a chamada estratificação da coluna d´água, ou seja, a água salgada e mais pesada fica no fundo e a água doce e mais leve fica na superfície. Devido ao sistema de circulação das águas induzidas pelas marés e pelo vento, as duas massas de água de densidades diferentes quase não se misturam. Com a atual eutrofização, mesmo sendo um ambiente bastante raso, a luz geralmente não chega até o fundo da lagoa devido ao excesso de material em suspensão e às florações das algas. Isso faz com que na água salgada de fundo não ocorra o desenvolvimento dos produtores primários. Sem esses organismos o oxigênio logo acaba nas áreas onde se concentra matéria orgânica, junto ao fundo lodoso, com elevada atividade microbiana que consome o pouco oxigênio que chega. O vento sul “empilha” a água costeira dentro da lagoa, a estratificação se intensifica potencializando a formação das zonas com baixas concentrações de Oxigênio, as ditas zonas mortas. Essas zonas recebem esse nome porque qualquer ser que respire, como peixe, caranguejo e berbigão, que estiver ou passar por essa área certamente não sobreviverá.

Como dito anteriormente, recentemente ocorreu uma segunda mudança de regime ecológico na lagoa, que foi marcada por um intenso processo de eutrofização agravado pelo deságue de uma massiva e repentina quantidade de esgoto. Mas, tudo pode piorar. A prefeitura e a Associação Comercial e Industrial de Florianópolis estão com planos de dragar o canal da Barra da Lagoa usando como slogan a recuperação ambiental do sistema. As eventuais obras de dragagem podem produzir impactos diretos sobre a fauna e flora que vivem no referido canal. Nestas áreas de transição entre a lagoa e o mar observamos remanescentes de manguezais e bancos de algas e gramas marinhas que, entre outras funções ambientais estratégicas, contribuem para a filtragem da água e absorção de nutrientes que atenuam o processo de eutrofização. A pretendida abertura do canal trará mais água salgada para a região interna da lagoa, ou seja, ao contrário do que se pretende, tenderá a expandir a atual ou criar novas zonas mortas na lagoa. Essa obra de engenharia, se realizada, ficará na história como o grande marco que sela a mudança definitiva da Lagoa da Conceição que ainda vive, ao menos, no nosso imaginário.

Na década de 80, esperava-se que a abertura do canal da barra fosse trazer maior circulação na água da Lagoa da Conceição, mas trouxe a estagnação da água no fundo e a formação da zona morta. Hoje, com a tecnologia e o conhecimento que adquirimos, é possível fazer um estudo detalhado da circulação de água e da dinâmica de areia e lama dentro da laguna. Essa modelagem, se bem feita, pode indicar (com boa probabilidade) se o aprofundamento do canal vai melhorar a circulação no fundo da lagoa, ou não. Além disso, uma dragagem remobiliza sedimento e diminui a luz na coluna da água. A falta de luz diminui a capacidade da lagoa em produzir oxigênio, além de aumentar o consumo desse gás. Ou seja, mais animais poderão morrer. Vale lembrar que uma espécie de alga marinha, a Fibrocapsa japonica, entrou na lagoa e se beneficiou das águas calmas e ricas em nutrientes. Essa espécie é nociva aos animais que vivem nas águas da laguna, matando-os por sufocamento e intoxicação. A abertura da barra poderá aumentar a entrada de organismos desse tipo, incrementando o problema.

Mas, sigamos em frente. Não olhe para a lagoa!

Olhe para o horizonte de oportunidades de empreender que estão surgindo. Se os restaurantes locais não podem mais servir os pescados da lagoa, vamos construir barcos mais potentes e pescar mais longe. Se a comunidade tradicional não sobrevive da sua simbiose com a lagoa, poderão vender seu “pedacinho de terra, perdido no mar” e morar em condomínios habitacionais no pé da serra e se beneficiar de novos ares. Se os turistas não podem mais se banhar nas águas vamos construir o shopping center da lagoa. Quem sabe um parque temático com tecnologia da Universal Studios utilizando braços robóticos e telas 3D fazendo um tour por antigos cenários locais, com mergulhos virtuais em uma Lagoa da Conceição que um dia existiu. Não poderão faltar equipamentos coloridos, que se conectam ao celular e tocam músicas, de última geração, feitos em fibra de carbono e nióbio, destinados a tampar o nariz de moradores e turistas para que estes possam correr e se exercitar nas passarelas pavimentadas ao longo da laguna apodrecida. E, finalmente, o tão sonhado condomínio aquático poderá ser construído no Canal da Barra, agora, quem sabe, com 16 andares?!

*Professores das Oceanografia, Geografia e Ecologia da UFSC

chamado para o ato na lagoa