Plano Diretor: Nova fase tem debate sem povo em meio a graves denúncias e exigência de maior participação popular

Processo sincero de revisão do Plano Diretor de Florianópolis

Debates sem povo sobre a minuta

A Prefeitura de Florianópolis deu inicio ontem, dia 27 de Agosto, a uma nova fase da revisão do Plano Diretor. Foi divulgada a minuta, com a proposta concreta das alterações. Em um vídeo transmitido via YouTube e na TV Câmara, os representantes da Prefeitura fizeram a apresentação de trechos da minuta e suas considerações. A única forma de interação permitida ao cidadão foi um formulário de perguntas online, que a Prefeitura afirma que serão respondidas até o dia 02 de setembro.

Apresentação da minuta foi realizada por representantes da Prefeitura neste último sábado

Foram mais de 8 horas de uma conversa descontraída, onde foi reforçada a total normalidade do processo e a “ampla participação popular”. Em nenhum momento foi citado, por exemplo, que as 13 audiências públicas distritais só foram realizadas por força da lei, através de uma ação no Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Também não foi feita menção às divergências, que a maioria da população presente nas audiências expressou em relação às propostas da Prefeitura. 

A atividade marca a abertura do Ciclo de Debates sobre a minuta no âmbito do Conselho da Cidade. A minuta não será debatida em audiências com as comunidades, cujo único espaço para questionamentos é o formulário citado anteriormente. Ou seja, a população não terá um espaço apropriado para discutir com o poder público sobre as demandas levantadas nas audiências em que participou. Associações já denunciam que a minuta apresentada pela Prefeitura é muita parecida com a de dezembro de 2021, quando a Prefeitura tentou aprova-la em uma única audiência às vésperas do natal.

A discussão se dará junto ao Conselho da Cidade, composto por representantes da sociedade civil. Entretanto o Conselho da Cidade não representa de forma equilibrada os interesses da sociedade, sendo 40% da composição indicada pelo Prefeito, e notória a forte influência política de diversas entidades empresariais e ONGs, como o Floripa Amanhã e o Movimento Floripa Sustentável, que defendem os interesses da construção civil e da especulação imobiliária.

Reportagens trazem denúncias de conflito de interesses e ameaças na revisão do Plano Diretor

O Cotidiano UFSC, projeto de extensão e portal de notícias do curso de Jornalismo da UFSC tem elaborado reportagens sobre o Plano Diretor. A mais recente, publicada no dia 22/08 revela que documentos enviados ao MPF e MPSC mostram indícios de acúmulo ilegal de funções, assédio dentro dos órgãos públicos e favorecimento de empresários na elaboração do Plano Diretor.

A reportagem expõem que em 2020, a campanha eleitoral de Gean Loureiro, atual candidato a governador (pelo União Brasil), para seu segundo mandato como prefeito foi financiada inteiramente por empresários do ramo da construção civil.

Até agora a Prefeitura não se manifestou sobre o assunto, e a mídia local (NSC e ND) sequer citou tão graves denúncias em suas notícias.

O cotidiano UFSC também resgatou o histórico conturbado da revisão do Plano Diretor, e o apresentou na forma de uma linha do tempo nas redes sociais:

Sociedade exige debater a minuta e apresenta contrapropostas de metodologia e calendário

Apesar de a Prefeitura continuar atropelando o processo, buscando aprová-lo o mais rápido possível, parte da sociedade continua mobilizada para exigir efetiva participação popular.

Nas ruas, as comunidades do Sambaqui, Santo Antônio e Cacupé realizaram juntas uma manifestação no dia 6 de Agosto na SC-401, entregando panfletos e uma carta que as comunidades elaboraram, de repúdio ao processo. Dia 13 de Agosto foi a vez da comunidade do Campeche se mobilizar, seguindo em passeata pelas ruas do bairro e demonstrando indignação em frente a uma obra autorizada pela Prefeitura, em cima de uma olho d’água.

Protesto da comunidade de Santo Antônio, Sambaqui e Cacupé na SC401

Dia 12 de agosto, no fechamento da consulta pública, foi entregue para a Prefeitura o documento chamado “Carta pela Cidade: por um Plano Diretor Participativo que não leve Florianópolis ao colapso“, assinado por 36 coletividades e 2292 pessoas na forma de um abaixo-assinado. O documento exige que a Prefeitura suspenda o processo de revisão, e só o retome após apresentar amplos estudos técnicos e garantir a efetiva participação popular para sua continuidade.

No dia 15/08 foi entregue ao Ministério Público de Santa Catarina e à Defensoria Pública um documento elaborado pelo Fórum da Cidade com uma proposta completa de metodologia para dar continuidade ao processo de revisão do Plano Diretor. O documento, assinado por 50 entidades da sociedade civilização, propõe diversas etapas que devem se seguir a partir da divulgação da minuta de revisão por parte da Prefeitura (a partir de 27/08).

A metodologia prevê um período para que a sociedade organizada possa estudar os documentos disponibilizados (20 dias), a realização de 19 Debates/Reuniões Distritais e abertura de Consulta Pública sobre a minuta de revisão, além da realização de uma Conferência Final com a população, antes da entrega do documento para a Câmara de Vereadores.

Proposta de Metodologia para efetiva Participação Popular

De forma semelhante, o Instituto dos Arquitetos do Brasil – Departamento Santa Catarina, divulgou no dia 22 de agosto um documento contendo contribuições e recomendações para a revisão do Plano Diretor, destacando diversos aspectos presentes no Estatuto da Cidade, lei federal que estabelece diretrizes gerais na elaboração dos planos diretores, que não estão sendo cumpridas no processo de revisão atual.

Embora a Prefeitura continue tentando atropelar o processo para aprová-lo ainda neste ano eleitoral, o fato é que a luta das comunidades segue viva, para incluir o povo nos debates, e fazer valer o nosso direito de participar no planejamento e na gestão da cidade em vivemos.

Plano Diretor: A participação popular ainda não acabou!

Créditos: Victor Klauck (Brigadas populares/@ocupasc)

A última audiência pública, prevista pela Prefeitura, de revisão do o plano Diretor de Florianópolis, ocorreu no dia 08/08. Começou as 16h no auditório do Centro-Sul e se estendeu até 1h30 da madrugada de terça-feira. O horário e formato infringem todos os protocolos legais para garantir a participação popular. Embora isso não seja novidade, levando em conta o histórico autoritário dessa Prefeitura na condução de todo processo de revisão

A audiência começou as 16h00, horário que maior parte dos moradores estão trabalhando.
Termino da audiência as 1h30 da manhã, horário que maior parte dos moradores já estão dormindo para trabalhar cedo no dia seguinte.

13 Consultas Públicas cumprem obrigação legal

Esta audiência, assim como as outras treze consultas distritais, só ocorreu pela pressão popular e por causa de uma ação no Ministério Público de Santa Catarina movida pela sociedade civil, fato lembrado por dezenas de pessoas nas consultas. E a Prefeitura foi obrigada a ouvir uma parcela do povo que pôde estar presente mesmo diante das limitações impostas.

Tirando algumas figuras carimbadas das associações empresariais e de ONGs chapa-branca (alinhadas com a Prefeitura), as demais pessoas, de forma avassaladoramente majoritária, repudiaram tanto a forma do processo de revisão, marcado pela pressa, ausência de diálogo e pela falsa participação popular, como o próprio conteúdo até agora apresentado para o Plano Diretor. Um plano que se resume a “adensar e verticalizar”, sem apresentar estudos técnicos e garantias de infraestrutura para a aceleração do crescimento que a Prefeitura e alguns setores parceiros pretendem induzir na cidade.

Cidade à Venda! Manifestações em espaços públicos, antes da audiência

A Cidade Real

Jogral e protesto durante a audiência

A cidade real se fez ecoar nas vozes das moradoras das ocupações, que evidenciaram a ausência total de políticas para moradia, em uma gestão que construiu literalmente menos de meia dúzia de habitações sociais nos últimos 6 anos, na segunda capital com o maior aumento de aluguel no ano passado. Esta voz também esteve presente nos diversos documentos elaborados pelas comunidades, e em tanta gente indignada pedindo por saneamento, mobilidade urbana, áreas verdes de lazer, saúde, respeito às Unidades de Conservação e educação pública e de qualidade, demandas que foram incorporadas em uma fala jogral, repetida pelos movimentos sociais presentes.

Em sua fala, o arquiteto Michel Mittmann, diretor do IPUF – Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis, disse que “é muito fácil reclamar, sem fazer propostas”. Entretanto é a população que vem tentando desde o início participar de verdade, e tem tido os seus direitos de participação sistematicamente negados pela Prefeitura, que ao invés se seguir o que preconiza o Estatuto da Cidade, Lei Federal que regulamenta a construção ou alterações de planos diretores, realizando oficinas de estudo e avaliação das propostas de alteração, pulou direto para as consultas. 

Reclamamos por tentarem nos empurrar goela abaixo um plano pronto, construído para benefício das construtoras e da especulação imobiliária. Não aceitamos um plano que vai levar nossa cidade ao colapso, e portanto, diante da irresponsabilidade dos gestores atuais, assumimos o compromisso de pensar e propor alternativas. 

As comunidades tem muitas propostas para resolver os problemas da cidade. Por isso exigimos participação de verdade! Não esta participação apenas numérica, que a Prefeitura esbanja na mídia para demonstrar alguma legitimidade para um processo teatral, de mentira.

Queremos participação ampla, plural e de qualidade. Temos até 2024 para elaborar o novo Plano Diretor, e portanto podemos fazer este debate com o devido tempo, precaução e zelo pela cidade. Queremos estudos técnicos, preparação das comunidades para discussão, oficinas, debates, conferências e muito mais audiências.

Por isto iremos exigir nas ruas, nas redes sociais e na justiça o nosso direito de participação, para que esta audiência do dia 08 não seja um ponto final, mas sim o começo de uma nova fase na luta pelo Direito à Cidade!

Mais informações:

População de Florianópolis resiste ao processo acachapante de revisão do Plano Diretor

Publicado originalmente no site Repórter Popular
Por Repórter Popular – SC

Nesta segunda-feira (08/8) ocorreu a audiência final de revisão do Plano Diretor de Florianópolis, com início às 16h00, no auditório Centro Sul. O processo de consulta à população para a revisão do plano durou pouco mais de um mês, foi iniciado em 29/06 e, até a audiência final, foi realizada uma audiência pública em cada distrito municipal. As audiências públicas só ocorreram por exigências judiciais e pressão popular, porque a proposta inicial de revisão da Prefeitura não previa a realização de consultas distritais. 

A audiência final foi dividida em duas partes e estiveram presentes cerca de 500 pessoas, em um auditório preparado para comportar até 2400. A quantidade de pessoas que estiveram presentes pode ser explicada pela questionável escolha de dia e horário para a audiência, já que se trata de horário de trabalho para grande parte da população, que sequer teve oportunidade de participar dessa discussão. Parte da população compareceu vestindo narizes de palhaço e expondo cartazes para denunciar o processo apressado de revisão do plano diretor empreitado de cima para baixo pela prefeitura. Na primeira parte da audiência, a gestão atual da prefeitura e respectivas secretarias municipais apresentaram suas propostas para o novo plano diretor. Na segunda parte, foram abertas inscrições para fala dos demais presentes.

A primeira parte teve duração aproximada de 2 horas e teve início com a apresentação metodológica do processo de revisão do plano, feita pela coordenadora jurídica do projeto. Em seguida, cada secretaria municipal apresentou dados infraestruturais e técnicos do município por meio de projeções em slides. 

O secretário de saúde, Carlos Alberto Justo da Silva, apresentou vários dados quantitativos sobre as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) em Florianópolis e seus quadros de funcionários. Porém, pouco explicou sobre o significado dos dados, não mencionou as condições de atendimento dos usuários, nem discutiu as condições de trabalho dos técnicos em saúde. 

De maneira similar, o secretário da educação, Maurício Pereira, não explicou como as alterações propostas para o plano diretor afetariam concretamente a realidade das escolas municipais, que enfrentam uma dura realidade com salas de aulas superlotadas e quadros de professores e salários cada vez mais arrochados.

Destacou-se a apresentação do coronel Araújo Gomes, secretário de segurança pública municipal, que foi recebido com vaias de alguns membros do auditório. O coronel tentou justificar a necessidade de revisão do plano diretor atual por meio da “Teoria do Triângulo do Crime”, e em certo momento declarou: “…tem coisas que não dá pra resolver na brutalidade porque a lei não permite”, o que resultou em gargalhadas e deboche por uma parcela dos presentes.

A primeira parte da audiência foi encerrada com a exposição da Secretaria Municipal de Mobilidade e Planejamento Urbano, que defendia o adensamento das áreas urbanas em Florianópolis. A Secretaria utilizou o adensamento urbano e os problemas de mobilidade na cidade como pretexto para flexibilização dos coeficientes urbanísticos, tornando zoneamentos mais permissivos para a construção de edifícios com muitos pavimentos e em áreas de preservação ambiental. 

A exposição foi interrompida diversas vezes por vaias e gritos por parte da população, que entendem que essas flexibilizações atendem mais aos interesses do mercado imobiliário e de grandes proprietários de terras do que aos interesses dos munícipes. Defendiam também que zoneamentos mais permissivos podem vir a resultar em violências inadmissíveis sobre a natureza. Incomodado com as interrupções, o apresentador acusou os manifestantes de não terem propostas para o município, ao que foi respondido com gritos de: “nós temos propostas, o senhor não nos ouve!”, “não somos palhaços!” e “mobilidade urbana é transporte público, não é construção!”

Ilha da Magia, ela é do povo, não é da burguesia!

Na segunda parte da audiência, quase todas as falas foram contrárias ao que estava sendo imposto no novo plano diretor da prefeitura. Rapidamente o número de inscrições chegou a 100, ainda nos primeiros minutos de abertura de inscrições, e continuou a aumentar. As falas se estenderam até, pelo menos, 1h00 da madrugada de terça-feira (09/08), quando ainda haviam pessoas inscritas, algo que demonstra o interesse da população em participar das decisões locais, mesmo que haja um esforço por parte da prefeitura em distanciar a tomada de decisões dos interesses do povo. 

Houve distribuição de panfletos assinados por diferentes Associações de Moradores que repudiam o processo de revisão do plano diretor, como a nota de repúdio do distrito de Santo Antônio de Lisboa, assinada pela Associação dos Moradores de Cacupé (AMOCAPÉ), Associação dos Moradores de Santo Antônio de Lisboa (AMSAL) e Associação do Bairro de Sambaqui (ABS). Moradoras alegam que o processo foi imposto de forma autoritária e antidemocrática, sem que o povo tivesse oportunidade de entender e analisar as propostas em tempo adequado. 

Várias manifestações populares apontaram para a necessidade de mais audiências, pois a prefeitura, até o momento, não apresentou uma minuta de lei. A não apresentação da minuta é um aspecto central do problema, pois a minuta nada mais é que um projeto do que se pretende fazer, e é preciso conhecer o projeto para que se possa dialogar efetivamente sobre seus aspectos negativos e positivos. Para as queixantes, uma audiência final deveria apenas ser realizada depois que as comunidades se apropriassem da proposta e pudessem fazer destaques no documento.

A população reclamou que as audiências feitas tiveram um caráter apenas consultivo e não deliberativo. Argumentaram, ainda, que as demandas trazidas nas audiências não eram incorporadas nas proposições da gestão municipal. Reivindicaram, além de maior poder efetivo de decisão sobre as questões da cidade, maior transparência da gestão e a disponibilização de dados atuais, uma vez que o processo de revisão do plano diretor tem sido conduzido com base em dados defasados. 

As preocupações demonstradas foram inúmeras, porém as mais recorrentes denunciavam o aumento dos coeficientes urbanísticos sem a prévia instalação de infraestrutura, como rede de esgoto, sistema viário, vagas em escolas e hospitais. Levantaram-se também preocupações com as áreas de preservação ambiental e áreas verdes de lazer, que estariam sendo prejudicadas em benefício de setores imobiliários, comerciais e turísticos. 

Uma das falas da população foi reproduzida em forma de jogral pelo auditório, em que se exigiu mais estudos técnicos e maior preparação e diálogo com as comunidades locais. A prefeitura também foi acusada de estar alinhada com os interesses do mercado imobiliário. A fala-jogral foi encerrada com aplausos e em um coro da população que repetia: “Ilha da Magia, ela é do povo, não é da burguesia!”.

A mídia burguesa, assim como canais de comunicação próximos à prefeitura, têm divulgado com orgulho que a participação nessa audiência final teria sido enorme e batido recordes. O problema com essa narrativa é que o parâmetro de comparação para afirmar essa ampla participação são as audiências distritais, que certamente teriam uma menor participação numérica, já que os distritos são compostos por parcelas menores da população, mas, por outro lado, é nesses espaços mais localizados que a discussão poderia ser aprofundada. Ou seja, se orgulhar de dizer que na audiência final a participação popular foi grande, esconde o problema principal apontado pela própria população em suas manifestações ao longo da audiência: de que não houve tempo e interesse da prefeitura para conduzir discussões aprofundadas nos distritos. Ainda, essa narrativa reforça a lógica arbitrária de imposição com que tem sido conduzido o processo de revisão do plano.

A prefeitura de Florianópolis ainda não respondeu satisfatoriamente aos anseios da população, que segue em luta para que possa decidir sobre o futuro da cidade.